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Como cuidar de gente?

By Fernanda Paixão

Maricá, 19 de Julho de 2019

Essa pergunta me motivou a encontrar os indígenas guaranis da aldeia Mata Verde em Maricá-RJ. Já havia lido a antropóloga indígena Sandra Benites e o filósofo Renato Nogueira escreverem a respeito do cuidado peculiar dos guaranis com os bebês. Estava realizando minha pesquisa de mestrado sobre performance relacional e realizei algumas performances com bebês na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Fernanda Paixão, Como Cuidar de Gente, Photo by Joanna Balabram

Eu fui até a aldeia para fazer uma performance com bebês guaranis e ouvi-los. Foram dois dias de encontro, o primeiro de total estranhamento, levei objetos, panos que faziam parte do meu universo citadino e eles queriam saber o significado espiritual de cada objeto, da minha roupa, dos meus gestos. Não havia significado espiritual, eram movimentos, experimentações corporais. Naquele momento eu era uma estranha.

Fernanda Paixão, Como Cuidar de Gente, Photo by Joanna Balabram

Essa estranheza, nos levou a uma conversa sobre como cuidar de gente.  Eles me pediram para voltar na aldeia, estavam inquietos para saber o que acontece na escola da cidade, pois a prefeitura de Maricá construiu uma escola dentro da aldeia, com o intuito de atender os indígenas.         Voltei na aldeia com folhas secas para escrever naquele chão indígena: Como cuidar de gente? E seguir a conversa sobre escola, educação e cuidado. Busquei em mim mesma qual seria o significado espiritual, anímico das folhas e da pergunta. Acessei um significado ancestral do cuidado –  a folha que cai no chão, protegendo ele do sol. Vida e morte em um mesmo Ser, o Ser folha. 

Fernanda Paixão, Naif, Photo by Joanna Balabram

Para a socióloga nigeriana Oyèronkè Oyewùmí a cultura ocidental tem o corpo como centro do seu pensamento, principalmente para bani-lo, inferiorizá-lo em prol da mente, no entanto o corpo, o visível, ainda é uma supremacia ocidental:  “a sociedade é constituída por corpos e como corpos – corpos masculinos, corpos femininos, corpos judaicos, corpos arianos, corpos negros, corpos brancos, corpos ricos, corpos pobres. Uso a palavra “corpo”de duas maneiras: primeiro como metonímia para a biologia, e segundo, para chamar a atenção para a fisicalidade pura que parece estar presente na cultura ocidental.”

Fernanda Paixão, Como Cuidar de Gente, Photo by Joanna Balabram

No primeiro dia de encontro, eu tinha o meu corpo branco e meus movimentos como referência e diferença. Os objetos que eu usava faziam sentido na cidade e seguem fazendo, mas ali eram o incompleto visível.

Fernanda Paixão, Como Cuidar de Gente, Photo by Joanna Balabram

Quando cheguei no segundo dia, o Cacique Amarildo me recebeu e sentamos para esperar a cacique Jurema, coloquei as folhas no chão e elas voavam, fiquei segurando-as. A cacique estava ocupada e demorava a chegar e então, Amarildo me disse: a sua função é segurar as folhas.

Fernanda Paixão, Como Cuidar de Gente, Photo by Joanna Balabram

Estive por mais de uma hora, segurando folhas diante do cacique, de algumas crianças, homens e mães. Enquanto isso, eles bebiam algo em uma caneca de plástico e me indagavam:
O que acontece com nossos filhos na escola? O que acontece na creche? Por que eles ficam dentro da sala e não vem para o espaço de fora? Pude contar o que vi e vivi em escolas como professora e aluna. O pajé gostaria de encontrar os professores todos os dias de manhã para falar sobre as atividades do dia. Isso não estava acontecendo. A performance se transformou em um espaço de escuta das angústias do contato entre cidade e aldeia, entre brancos e indígenas, entre ocidente e povos tradicionais da América. Uma espiral de 500 anos que voltava no mesmo ponto. Como estar em contato com a diferença?

Fernanda Paixão, Naif, Photo by Joanna Balabram

About Author

Fernanda Paixão é artista multidisciplinar e pesquisadora. Mestre em Estudos da Performance pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.